Por Marília DuarteO texto não possui spoilers do filme Um personagem que domina a cultura pop há 80 anos. Domina as histórias em quadrinhos, possuindo grandes arcos clássicos. Marcou várias gerações com séries de tv desde os anos 60 e séries animadas nos anos 90 e 2000. A figura que ganhou as telas de cinema desde 1989 e se tornou um ícone cultural. O Batman é um personagem que significa algo diferente para todos, maleável à interpretação mais do que qualquer outro super-herói, que cada geração terá pelo menos um retrato definitivo. E nossa geração atual ganhou um rosto que ficará eternizado no grande quadro de intérpretes do Morcegão. Robert Pattinson se junta à Adam West, Michael Keaton, Christian Bale, quatro grandes nomes que fizeram e fazem história no audiovisual. Para muita gente, este novo filme, Batman (The Batman), dirigido pelo brilhante Matt Reeves, é o primeiro filme solo que assistiram no cinema. Porque muitos eram apenas crianças quando Batman Begins de Christopher Nolan estreou. E agora em 2022, a dupla Reeves/Pattinson fez a felicidade da comunidade nerd fã do personagem e de todos que apreciam a mistura de um bom thriller noir com características quadrinescas. A direção de Matt Reeves subverte o gênero de super-herói, se alinhando à essência do personagem nas HQs e trazendo uma nova perspectiva, mais sombria e psicológica, e uma das melhores representações do Batman no cinema. Sim, esse é um filme essencialmente da persona Batman, afinal, a persona Bruce Wayne é alguém extremamente quebrado por dentro, que não quer viver uma vida social, mas sim uma vida como um animal noturno, como ele bem descreve em sua primeira narração em off. Bruce está praticamente morto por dentro, e apenas sua máscara é o elemento que lhe traz um propósito, mesmo esse propósito ser uma atividade quase suicida (ele não tem medo de morrer, como o próprio diz) pelas ruas de Gotham. É um Batman jovem, que está há apenas 2 anos como um vigilante da noite, colocando medo nos criminosos da cidade. "O medo é uma ferramenta..." Mas ele percebe que nesses 2 anos, a podridão e o crime só aumentaram em Gotham, sua ira nunca cessa e sua figura não é bem vista pela polícia, exceto pelo Tenente Jim Gordon (o sempre ótimo Jeffrey Wright), com quem ele possui uma parceria. Um complementa o outro e isso faz de Batman o melhor filme que adaptou a relação Batman/Gordon. Juntos, eles precisam decifrar os mistérios que envolvem um assassino em série, o Charada (Paul Dano), aqui claramente inspirado no assassino Zodíaco. Matt Reeves se inspirou em filmes noir dos anos 70 e em thrillers de David Fincher como Seven e o própio Zodíaco. Mas o que torna Batman um filme muito próximo dos quadrinhos é sua inspiração em arcos clássicos como Ano Um, O Longo Dia das Bruxas e Batman Ego. Esse filme traz elementos realistas do noir e suspense, mas sem esquecer do material de origem e finalmente vemos a versão detetive que existe na mente do nosso complexo homem morcego. Batman está (felizmente) fora do DCEU e se estabelece em uma realidade mais fundamentada e mais estilisticamente elevada. Tanto no nível visual quanto no tonal, esta é facilmente a interpretação mais sombria e adulta dos quadrinhos do personagem. A mente de Bruce Wayne/Batman é super perturbada e depressiva porque ele não é um herói normal. O seu trauma corrói ele por dentro de todas as maneiras que fazem dele uma figura violenta. "I'm vengeance..." O mistério central é uma história de detetive genuinamente intrigante e baseada em personagens que desvendam o ventre de Gotham e sua máfia e testa o Batman psicologicamente mais do que qualquer filme anterior, além de trazer tons de intriga sociopolítica e até elementos de terror. E assim como um bom noir, nós vemos uma personagem feminina interessante e com camadas. A Selina Kyle/Mulher Gato interpretada por Zoë Kravitz é a figura que traz humanidade ao Batman. A relação complexa (e sensual) deles é um dos pontos altos do filme. Selina também busca vingança, mas ao contrário de Bruce, ela cresceu na pobreza e teve que fazer o possível e o impossível para sobreviver numa Gotham comandada por homens brancos ricos. Ela desperta sentimentos em Bruce e juntos criam uma tensão sexual palpável em cada cena juntos. Numa era de filmes onde super-heróis não possuem tesão e desejo carnal (como o cineasta espanhol Pedro Almodóvar apontou há um tempo atrás sobre a ausência de pessoas com desejos sexuais em filmes de heróis), Batman traz o tesão aos seus personagens e apenas com olhares, podemos ver o quanto Bruce e Selina se desejam carnalmente. A química entre Robert Pattinson e Zoë Kravitz é maravilhosa e dá muito tesão ao expectador assistir eles juntos. Se o filme fosse +18, com certeza Matt Reeves incluiria a famosa cena de sexo BatCat no Batmóvel. Não tem essa cena no filme, mas em uma cena específica, Reeves colocou uma ótima metáfora sexual (eles andando juntos cada um em sua moto e alternando os movimentos de quem avançava na estrada) simulando Bruce e Selina transando. A mente de titânio de Reeves e só quem é muito perspicaz conseguiu pegar essa metáfora. Robert Pattinson, que já vinha há quase uma década mostrando ser um excelente ator em diversos filmes alternativos (como Bom Comportamento e O Farol), entrega uma performance incrível, modulando perfeitamente a dualidade Batman/Bruce Wayne. Seus olhos por trás da máscara são uma grande característica na construção do personagem. Há cenas em que ele não precisa falar, apenas seu olhar é o suficiente para impactar. O seu Batman é uma presença incrivelmente estranha e desconcertante de todas as melhores maneiras, acentuada por quantos personagens ficam perplexos com sua mera presença, mas ao mesmo tempo ele é facilmente a versão mais humana de Bruce Wayne também. É uma das poucas histórias em que Batman não é apenas levado ao seu limite, mas forçado a contar com seus métodos e mudar para melhorar Gotham, e tanto Pattinson quanto Reeves fizeram um trabalho fantástico ao retratar esse conflito interno e sua auto-justiça obstinada. O Batman do final do filme é uma pessoa diferente da pessoa do início e sua jornada foi complexa e psicologicamente construída, que nós, o público, entendemos junto com ele no final, o significado de seu propósito. O clímax do conflito em Gotham é arrebatador. O Batman que era a personificação das sombras se torna a luz na escuridão. Um Batman é sempre tão bom quanto seus vilões e aliados, e o elenco coadjuvante do filme é certamente digno de personagens tão icônicos e reverenciados. Além dos ótimos Jeffrey Wright e Zoë Kravitz que já falei aqui no texto, vemos também o ótimo Paul Dano como um Charada extremamente surtado e aterrorizante e seu trabalho de voz arrepia cada pelo do corpo, além de uma grande cena em que ele divide com Robert Pattinson, mostrando o quanto eles são dois dos melhores atores dessa geração. Andy Serkis, maravilhoso como sempre, tem pouco tempo de tela como Alfred, mas quando ele entra em cena, sua atuação é cativante e há um ar melancólico, afinal, Alfred sente que falhou como figura paterna para Bruce. John Turturro traz o clássico personagem mafioso Carmine Falcone e o incorporou de forma perfeita. Colin Farrell está totalmente irreconhecível como Oz Cobblepot e traz uma energia perversamente desprezível ao vilão clássico Pinguim. Por falar no Pinguim, a cena de perseguição de carros é de tirar o fôlego, provando o quanto Matt Reeves é um diretor talentoso, que gosta de trabalhar muito bem a ação com efeitos práticos. O Batmóvel, inspirado em carros dos anos 70 com Christine: o Carro Assassino de John Carpenter, além de ser o carro mais funcional e realista entre todos os Batmóveis do cinema, é assustadoramente ameaçador. Como Gotham City é um local fictício, foi reinterpretado quase tantas vezes na tela quanto o próprio Batman de uma maneira que muitas vezes reflete a interpretação atual do próprio personagem. A versão de Reeves da metrópole dominada pelo crime é uma mistura da Gotham gótica de Tim Burton com uma cidade realista tipo Nova York, mas acabada, banhando as ruas e becos com sujeira, sombras e neon. Há uma atmosfera de uma graphic novel ganhando vida, e ainda assim parece real o suficiente para que seja fácil se situar. A fotografia maravilhosa de Greig Fraser (que concorre ao Oscar por Duna) é uma grande parte desse efeito e, embora às vezes os visuais possam ser subiluminados propositalmente para dar um visual sombrio, cria uma estética imersiva tão espessa que você pode praticamente sentir o cheiro da neblina e do vapor que cobre a cidade. As cenas dos encontros de Batman com a Mulher Gato mostrando um céu alaranjado, destacando suas silhuetas, são lindíssimas e merecem ser emolduradas como belos quadros. O figurino assinado pela vencedora do Oscar Jacqueline Durran (Adoráveis Mulheres) também merece ser reconhecido juntamente com a dupla David Crossman e Glyn Dillon, que criaram o uniforme mais prático e preciso do Batman já retratado no cinema. Unindo tudo isso está a trilha sonora incrível e assombrosa de Michael Giacchino (vencedor de Oscar por Up) que se apega aos seus ouvidos e exala atmosfera em todas as notas, incluindo um novo tema memorável, muito inspirado na Marcha Fúnebre composta por Frédéric Chopin. O uso no filme de “Ave Maria” de Franz Schubert como um arrepiante leitmotiv (motivo condutor) é um toque especialmente sombrio, além de “Something in the Way” do Nirvana ser brilhantemente implantado como a trilha sonora do monólogo interior de Bruce. A gente se arrepia de emoção nas duas cenas em que ela toca e faz todo o sentido esse Bruce Wayne ser inspirado em Kurt Cobain. Todo fã de Nirvana sai feliz e emocionado do cinema. Este é absolutamente um filme do Batman que reflete nossas ansiedades e medos modernos, mostra seus heróis e vilões como sendo muito mais incertos moralmente do que nunca e deixa as portas abertas para a expansão de um universo próprio. Batman é uma mudança bem-vinda que reafirma que o gênero tem muito mais a oferecer quando se diversifica e amplia seus horizontes. Um filme feito por um cineasta que conhece e entende perfeitamente o personagem e atuado por um ator protagonista que conhece e entende o personagem como nenhum outro conheceu antes. Matt Reeves e Robert Pattinson entregaram a essência perturbada, melancólica e humana que o Batman merecia ser mostrado no cinema. E que venham a continuação dessa parceria que deu muito certo. Something in the way...Mmm-mmm Something in the way, yeah... Trailer legendado: FICHA TÉCNICA:
Direção: Matt Reeves Roteiro: Matt Reeves, Peter Craig Elenco: Robert Pattinson, Zoë Kravitz, Jeffrey Wright, Paul Dano, Colin Farrell, Andy Serkis, John Turturro, Jayme Lawson, Peter Sarsgaard, Barry Keoghan, Gil Perez-Abraham, Peter McDonald, Hana Hrzic, Alex Ferns, Rupert Penry-Jones, Kosha Engler, Archie Barnes, Charlie Carver, Max Carver, Luke Roberts, Sandra Dickinson, Stella Stocker Produção: Matt Reeves, Dylan Clark Montagem: William Hoy, Tyler Nelson Direção de Fotografia: Greig Fraser Trilha Sonora: Michael Giacchino Figurino: Jacqueline Durran Design de Produção: James Chinlund Ano: 2022 Duração: 176 min. País: EUA
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Por Marília DuarteFinalmente Hollywood passou a apreciar o talento do diretor sul-coreano Bong Joon-ho. Sua filmografia bastante expressiva no cinema cult ainda não tinha sido vista pela parte mainstream hollywoodiana. Mesmo seus filmes mais “americanizados” como Expresso do Amanhã e Okja, não tinham feito com que o diretor alcançasse o status de um dos melhores cineastas do nosso tempo. E eis que surge Parasita, um sucesso instantâneo, que já nasceu como um futuro clássico do cinema e alçou Bong Joon-ho para a lista dos diretores mais talentosos de todos os tempos.
Por Camila KaihatsuDiversão para toda família, o longa de Jake Kasdan repete a fórmula de seu antecessor.
Por Marília Duarte O livro Little Women da escritora Louisa May Alcott é um clássico da literatura norte-americana e possui várias adaptações para a televisão e para o cinema, entre elas as versões lançadas nas décadas de 30 e 40 e a mais popular até então lançada em 1994 com Winona Ryder protagonizando. É como se cada geração precisasse de sua releitura daquela história. A nova versão lançada no fim de 2019 (e que chegou no início de 2020 nos cinemas daqui) é a prova de que Little Women precisava ser atualizada com o olhar das mulheres de hoje para dialogar com todas elas.
Por Marília DuarteCharlie (Adam Driver) e Nicole Barber (Scarlett Johansson) são o casal perfeito da cena teatral de Nova York, graças ao sucesso de sua mais recente colaboração rumo à Broadway. Ele se tornou um diretor aclamado e ela uma atriz promissora (e como Charlie diz, sua atriz favorita), que antes era só lembrada por um papel em um filme teen que estrelou há anos atrás. Os dois poderiam estar extasiados por finalmente alcançar esse marco, mas o divórcio pendente se tornou o centro de suas vidas. E esse não será um divórcio simples, será um divórcio envolvendo duas cidades distantes que os levará ao limite. Convidada para gravar um novo piloto de uma série, Nicole vai para Los Angeles para ficar mais perto de sua família. Charlie, sempre focado em Nova York e em sua companhia de teatro, passa a querer lutar para trazer Nicole e seu filho Henry (Azhy Robertson) de volta.
Por Marília DuarteOlá, leitores culteclétic@s! O ano está quase acabando e como sempre as listas de melhores filmes do ano costumam sair nessa época. 2018 teve muito lançamento em plataformas de streaming como Netflix, teve blockbuster de qualidade, teve filmes com muita representatividade e histórias importantes e claro, teve filmes com trilhas sonoras incríveis. Infelizmente (e obviamente) não tive como assistir todos os lançamentos, então muito filme interessante e que teve destaque no ano ficou de fora. Blockbusters como Missão Impossível: Efeito Fallout, filmes nacionais como Ferrugem, independentes como Você Nunca Esteve Realmente Aqui (da cineasta Lynne Ramsay) e animações como Ilha dos Cachorros estão sendo considerados alguns dos melhores do ano pela crítica especializada e pretendo assisti-los em breve.
Por Marília DuarteExistem histórias que são a verdadeira alma de Hollywood e Nasce uma Estrela é sem dúvida uma delas. Esta é a quarta adaptação para o cinema, onde anteriormente nomes como Judy Garland e Barbra Streisand protagonizaram essa mesma história. Ao trazer essa clássica narrativa para o mundo da fama atual, a nova versão precisava de uma estrela à altura das anteriores e certamente Lady Gaga é a maior definição atual da estrela pop com um imenso talento em suas veias. O longa é moldado através de notas, acordes e é claro dos talentos dela e de Bradley Cooper assim como da maravilhosa química que os dois possuem em tela. Em sua estréia como diretor, Cooper traz nessa adaptação uma abordagem emotiva e entusiasmada sobre a paixão pela música que permeia o drama de um relacionamento amoroso e o mundo devastador e tóxico do show business.
Por Marília DuarteEm praticamente todo ano são lançados filmes com a temática “coming of age”, ou seja, filmes em que seus protagonistas passam por uma fase de amadurecimento, especialmente na adolescência. Alguns se destacam pela ótima qualidade, outros pela falta dela e outros tantos por conter características mais cool do cinema indie. Hot Summer Nights (ainda sem título em português) se enquadra na terceira categoria. É um filme que aspira ser um pouco mais que uma estória descolada ambientada nos anos 90. Basicamente é uma simples história de um adolescente que vai passar as férias de verão em outra cidade e acaba se envolvendo com traficantes de drogas ao mesmo tempo em que se apaixona pela primeira vez. Festas de verão, lanchonetes e cinemas drive-in compõem a maior parte do pano de fundo, mas nada parece autêntico, já que outros tantos filmes (e séries) atuais costumam utilizar essa nostalgia para agradar o público. Pessoalmente, adoro celebrar a nostalgia que hoje virou moda principalmente por causa de Stranger Things (que amo!). Mas mesmo achando tudo isso bacana e divertido, com um tempo, os filmes e séries lançadas hoje que se passam nas décadas de 80 e 90, acabam se tornando repetitivos. E é justamente isso que ocorre com Hot Summer Nights. Mesmo gostando do estilo dele, do visual e claro, da trilha sonora, a narrativa em si não se aprofunda muito para nos entregar uma estória sólida e orgânica. O maior trunfo do filme é o excelente Timothée Chalamet (indicado ao Oscar esse ano pelo também excelente e lindo Me Chame Pelo Seu Nome). Ele interpreta o jovem deslocado Daniel , chamado de Danny pelo seu novo amigo e traficante de maconha, Hunter (Alex Roe, de A 5ª Onda).
Por Marília Duarte
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March 2022
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