Por Marília DuarteFinalmente Hollywood passou a apreciar o talento do diretor sul-coreano Bong Joon-ho. Sua filmografia bastante expressiva no cinema cult ainda não tinha sido vista pela parte mainstream hollywoodiana. Mesmo seus filmes mais “americanizados” como Expresso do Amanhã e Okja, não tinham feito com que o diretor alcançasse o status de um dos melhores cineastas do nosso tempo. E eis que surge Parasita, um sucesso instantâneo, que já nasceu como um futuro clássico do cinema e alçou Bong Joon-ho para a lista dos diretores mais talentosos de todos os tempos. Ele é especialista em criar filmes de gênero e desenvolver ótimas narrativas que estão hiper conectadas com críticas sociais, trazendo suas idiossincrasias instantaneamente reconhecíveis: mudanças de tom chocantes e uma sátira nítida e deliciosamente sombria. Essa é uma característica que o difere de seus colegas de geração do cinema sul-coreano como Park Chan-wook (outro diretor talentoso). Parasita é uma obra fluida em relação a gênero cinematográfico e isso o torna cool e ao mesmo tempo clínico e incisivo. É uma saída para Bong Joon-ho abordar todas as suas ansiedades como cineasta, mas também como pessoa do mundo moderno. O tema do capitalismo é mais uma vez levantado quando ele coloca a rica família Park contra a pobre família Kim, salpicando o filme com várias referências e construindo um crescimento como se fosse uma ópera na qual a luta de classes assume a forma de uma batalha praticamente literal. Mas o filme não propõe uma luta simplista. Ele expõe os problemas que o sistema capitalista está causando na sociedade e por isso o filme dialoga bastante com as pessoas em várias partes do mundo. A realidade árdua em que a família Kim se encontra é a realidade da maioria das famílias brasileiras, enquanto outras privilegiadas como a família Park não saem da sua bolha social. A primeira cena do filme já é impactante nesse aspecto e de cara criamos empatia pelos protagonistas (algo que também é provocado pelo carisma de seus atores). Quando o filho Ki-woo (Choi Woo-sik) tem a oportunidade de trabalhar para a família rica, nós estamos de imediato torcendo para ele e para todos os planos subsequentes dos Kim. Depois de abordar as mudanças climáticas anteriormente em Expresso do Amanhã, Bong Joon-ho mais uma vez destaca a relevância dessa crise ambiental, esclarecendo como ela afeta os ricos e os pobres de maneira diferente. Enquanto a família Park é levemente incomodada por uma chuva torrencial, toda a existência da família Kim é ameaçada quando a mesma chuva inunda sua casa subterrânea. Em algumas cenas, o diretor mostra seus argumentos com franqueza, como a cena em que o patriarca da família Kim, Ki-taek (Song Kang-ho), mal consegue esconder sua raiva quando a matriarca da família Park, Yeon-gyo (Cho Yeo-jeong), diz que as chuvas limparam o céu. A apatia dela em relação à situação nos bairros pobres da cidade é mais ofensiva para ele do que quando ela torce o nariz por causa do seu cheiro. Essa cena marca a distância metafórica entre ele e a patroa, apesar da proximidade física. É interessante a construção da relação entre ambos os clãs, que confiam um no outro. Enquanto os Park não seriam capazes de viver sem os serviços invisíveis fornecidos pelos Kim, estes dependem do dinheiro dos Park para sobreviver. Bong Joon-ho é super afiado em sua narrativa e na maneira como os aspectos técnicos são essenciais para contar aquela história. Seu uso de escadas como uma metáfora visual da mobilidade social é notável. A maneira com que ele corta para um personagem subindo ou descendo escadas, faz do filme uma espécie de jogo de tabuleiro cinematográfico. A casa dos Park possui além das escadas, uma ampla sala com uma bela vista para o jardim, enquanto os Kim vivem literalmente sob os ricos e poderosos, desprovidos não apenas de riqueza e oportunidades, mas também de luz solar. São detalhes maravilhosamente construídos pelo designer de produção Lee Ha-jun e utilizados pelo roteiro e direção para dar mais complexidade à história. O filme é construído como um suspense e, apesar de suas transições de tons, o diretor alterna seqüências de ações para dramaticidade doméstica, em que transforma trocas verbais em jogos psicológicos elaborados. O cinema de Hitchcock é fonte de inspiração para determinadas cenas de Parasita e como é maravilhoso ver essa inspiração sendo executada de forma tão perfeita, pontuando cada detalhe da cena, mesmo quando há quase um silêncio absoluto. O elenco inteiro está formidável e preciso dizer que Song Kang-ho na pele do pai da família Kim merecia uma indicação ao Oscar pela sua performance. Suas expressões faciais já bastam para justificar uma atuação perfeita. O filme concorre em 6 categorias no Oscar 2020 e com certeza vai levar o de Melhor Filme em Língua Não-Inglesa e possivelmente o de Melhor Roteiro Original. Por mim, o filme levava todos os prêmios, especialmente o de Melhor Filme, por ser uma obra não apenas impactante no contexto social em que vivemos no mundo, mas também tecnicamente perfeita. O filme possui todas as características que fazem um filme ser o melhor de um ano inteiro com diversos lançamentos. Parasita está ali questionando a própria natureza da humanidade e escancarando as mazelas sociais criadas propositalmente por um sistema vil que segrega os pobres e enriquece cada vez mais os poderosos. É um filme que merece ser revisitado diversas vezes para desvendar suas muitas camadas (ocultas). Trailer legendado: FICHA TÉCNICA Título Original: Gisaengchung Direção: Bong Joon-ho Roteiro: Bong Joon-ho, Jin Won-han Elenco: Song Kang-ho, Kim Woo-sik, Cho Yeo-jeong, Park So-dam, Lee Sun-Kyun, Chang Hyae-jin, Lee Jung-eun, Jung Ji-so, Park Myeong-hoon, Park Seon-joon, Jung Ik-han Gênero: Suspense, Drama Produção: Bong Joon-ho, Kwak Sin Ae, Moon Yang Kwon, Jang Young Hwan Montagem: Jinmo Yang Direção de Fotografia: Hong Kyung-pyo Design de Produção: Lee Ha-jun Trilha Sonora: Jaeil Jung Figurino: Choi Se-yeon Ano: 2019 Duração: 132 min. País: Coréia do Sul
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March 2022
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