Por Marília DuarteOs minutos iniciais de Euphoria foram o suficiente para me fazer gostar da série logo de cara. A narração na voz de Zendaya faz com que o espectador fique curioso para descobrir aos poucos a história que sua personagem, Rue (a protagonista da série), está disposta a contar daí pra frente. Em uma cena de abertura grandiosa que mostra o quanto a série é carregada de qualidade, vemos o nascimento de Rue seguido imediatamente por um grande corte no avião atingindo uma das Torres Gêmeas. Rue revela que ela nasceu três dias depois do 11/9 e depois se lança em uma dissecação de cinco minutos do subúrbio americano que levaria a sua atual insatisfação adolescente, se tornando uma pessoa com vício em drogas (especialmente comprimidos) e diagnosticada com ansiedade. É uma montagem de abertura verdadeiramente estimulante, apresentando ao espectador o estilo de edição frenético que definirá a maior parte da série, além de tornar claro seu principal tema: essa é uma história sobre a Geração Z e sobre uma abordagem honesta a esses personagens, nunca antes representada desta forma tão verdadeira e visceral na televisão. Claro que podemos comparar Euphoria com Skins (outra série que sou muito fã). Mas Skins foi exibida entre 2007 e 2013 e mostrava outra geração de adolescentes em outro contexto, no caso, o subúrbio de Bristol na Inglaterra. Euphoria é uma série super atual sobre a juventude norte-americana e assim como Skins fez anos atrás sobre a juventude britânica, ela não tem medo em mostrar os anseios, os medos, as angústias e claro, os vícios que estão presentes nas vidas de seus personagens. Como uma nova série em busca de uma definição de público, Euphoria conseguiu mesclar o seu alcance, fazendo sucesso em diversas faixas etárias e agradando a crítica especializada de tv, fazendo com que a HBO não perdesse assinantes após o fim de Game of Thrones. Há muito terreno a percorrer quando se desvenda um mundo tão inexplorado e tão complicado como este, mas Sam Levinson, o showrunner da série, navega nele com uma habilidade surpreendente. Ele colocou muito de suas experiências pessoais quando adolescente, mas atualizando para a geração atual. A história de Rue caminha como numa corda bamba, apresentando nuances sobre o vício em drogas entre adolescentes, que não glamouriza o fenômeno, mas mostra as realidades muitas vezes brutais, sem nunca perder de vista por que essas realidades podem parecer atraentes para a personagem. Euphoria é centrada em uma notável performance de Zendaya (libertando-se de seu passado no Disney Channel), mostrando o quanto ela é uma atriz incrível e bastante versátil. Sua atuação está sempre impressionante: desde as cenas em que Rue (dentro de sua mente) está dando uma palestra sobre a arte de tirar fotos de pênis ou fantasiando ser uma detetive à la Seven de David Fincher até a cena em que ela passa por um colapso intenso porque seu traficante (e amigo) se recusa a vendê-la mais drogas ou quando ela passa por um dos estágios depressivos sem sair do quarto até mesmo para ir ao banheiro. Se o Emmy Awards do próximo ano não indicá-la ao prêmio de Melhor Atriz, será uma grande injustiça à sua performance maravilhosa. Um dos elementos mais fortes da série é seu relacionamento com Jules (Hunter Schafer), a encantadora garota nova da cidade que rapidamente se torna a melhor amiga de Rue. Hunter Schafer é, sem dúvida, a grande revelação da série, mostrando ter uma presença magnética em tela e frisando a importância de se ter representatividade trans em produções audiovisuais. Esse é seu primeiro papel como atriz e mesmo antes em seu trabalho como modelo, Hunter sempre foi ativista dos direitos LGBTQI+. A relação entre Rue e Jules é a melhor interação da série e o desenvolvimento dessa amizade percorre caminhos que vão desde momentos felizes e doces a momentos intensos. É como se Jules fosse a cura para o vício de Rue, mas ao mesmo tempo, causasse uma dependência emocional nela. E para Jules, Rue é a primeira pessoa com quem ela se sente verdadeiramente segura e feliz ao demonstrar seus sentimentos. Outro aspecto maravilhoso da série é não rotular a sexualidade e frases de algumas personagens traduzem perfeitamente isso (como Jules fala no penúltimo episódio algo como “sem tempo para a heteronormatividade” e como Kat (Barbie Ferreira)– e posteriormente Maddy (Alexa Demie) - falam “A sexualidade é um espectro...”). Por falar em Kat, ela se tornou uma das personagens favoritas do público e seu desenvolvimento também é um dos mais interessantes. A relação entre mídias sociais, aceitação do corpo e exposição na internet são subtemas que envolvem a personagem e, portanto, muitos se identificam bastante com ela. Além das representatividades, tecnologia e toxicodependência, Euphoria consegue também trabalhar outros temas igualmente importantes como machismo, relacionamento abusivo, relações familiares complexas e masculinidade tóxica. Nada parece ser mostrado superficialmente na série. Todos esses temas são desenvolvidos com sensibilidade e com camadas através de cada personagem. Tomemos por exemplo a história de Nate (interpretado por Jacob Elordi), o vilão da série. O ator tem uma presença infinitamente convincente, trazendo à vida o típico galã da escola e jogador de futebol americano, com uma apatia que se aproxima de Patrick Bateman (personagem de Christian Bale em Psicopata Americano) e que desenvolve muito bem sua personalidade manipuladora e possessiva. E a atuação de Jacob surpreende principalmente em um momento intenso e visceral de seu personagem em uma cena com seu pai, Cal (Eric Dane), no último episódio. Outros aspectos interessantes são a montagem criativa da série utilizada em todos os oito episódios em que cada um abre com um segmento estendido investigando a história de fundo de algum personagem, a câmera frenética que se movimenta de várias maneiras, a fotografia lindíssima, e claro, a maquiagem, que se tornou um fenômeno cultural. A trilha sonora foi perfeitamente composta pelo músico e cantor Labrinth e a música final All For Us, numa versão cantada por Zendaya, embala um dos momentos mais incríveis criados em uma série de tv. Na trilha também há muito uso de músicas pop, R&B, hip-hop e indie de artistas como Beyoncé, Madonna, Billie Eilish, Santigold e Kelseu Lu (dela, toca o lindo cover de I’m Not In Love do 10cc em uma das melhores cenas). Há tanta coisa para se falar sobre Euphoria (cada episódio merece uma análise individual por ser uma série tão densa), mas termino essa crítica enaltecendo todos os talentos descobertos nela e claro, a qualidade técnica que faz dela uma das melhores séries (se não, a melhor) desse ano. Ela já foi renovada para a segunda temporada e espero que outros ótimos personagens como Lexi (Maude Apatow) e Fez (Angus Cloud) ganhem mais destaque na história. E que venham muitos prêmios para a série porque ela merece todos. TRAILER LEGENDADO: FICHA TÉCNICA: Gênero: Drama Número de episódios: 8 Criador: Sam Levinson Direção: Sam Levinson (5 episódios), Pippa Bianco (1 episódio), Augustine Frizzell (1 episódio), Jennifer Morrison (1 episódio) Roteiro: Ron Leshem, Daphna Levin, Sam Levinson Elenco: Zendaya, Hunter Schafer, Barbie Ferreira, Jacob Elordi, Sydney Sweeney, Alexa Demie, Angus Cloud, Algee Smith, Maude Apatow, Nika King, Storm Reid, Eric Dane, Javon Walton, Austin Abrams, Keean Johnson, Sophia Rose Wilson, Lukas Cage, Colman Domingo, John Ales, Tyler Timmons, Tristan Timmons, Mercedes Colon, Zak Steiner, Paula Marshall, Shiloh Fernandez, Clark Furlong, Produção: Michael Carroll, Fotografia: Marcel Rév, Drew Daniels, Adam Newport-Berra, André Chemetoff Trilha sonora: Labrinth, Gustave Rudman Edição: Julio Perez IV, Harry Yoon, Laura Zempel Figurino: Heidi Bivens Maquiagem: Nicole Artmont, Sonia Cabrera, Kirsten Coleman, Tara Lang, Angie Johnson, Dan Gilbert, Corina Duran-Rabichuk Design de produção: Kay Lee, Michael Grasley Direção de arte: Michael Hersey, Bryan Langer País: EUA Ano: 2019
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