por Camila KaihatsuEntrevista com Gabriel Rocha Mialchi, diretor e produtor da Quantic Filmes Gabriel é diretor do curta Dio Cane, roteirizado por Frederico Mozzato, o curta é sobre uma família que se muda em busca de um recomeço, mas a morte de um cachorro traz à tona aquilo que eles tentavam esconder. *Entrevista publicada pelo CultEcléticos originalmente em 2016Como surgiu o curta Dio Cane? O título do curta é uma relação entre a morte do cachorro e a expressão italiana ‘Dio Cane’? R: Bom, o roteiro foi escrito pelo meu amigo Frederico Mozzato (que também assina a Direção de Fotografia do curta). Em 2013 ele veio com essa ideia maluca de um cachorro morto que sempre volta pra importunar uma família, e ao longo do tempo ele foi trabalhando o roteiro, com a ajuda de alguns professores e amigos, para que ele tomasse a forma final, de quando o filmamos. O título do filme é um xingamento em italiano, algo como "que merda", que normalmente as pessoas falam quando estão desapontadas ou nervosas com alguma situação, e acredito que expressa o recorte da família frente ao problema do cachorro que sempre volta, tornando-se um fato cada vez mais e mais desapontante/irritante. Portanto, o título se relaciona mais com a família do que com o cachorro, mas acaba se tornando um trocadilho, uma vez que cane significa cão, mas também é sinônimo para incapaz, que se relaciona com o filme, mas não vou dizer como pra não dar spoilers. Quantos profissionais estavam envolvidos no projeto e quanto tempo durou as filmagens? R: Todo o processo até agora (estamos em pós-produção), e sem contar a produção do roteiro, durou cerca de 4 meses. As filmagens duraram 5 dias, que foi do dia 5 à 10 de julho. A equipe contou com 18 pessoas diretamente, além do elenco, apoiadores, etc. Acho que os créditos finais vai levar uns 100 nomes! Você poderia explicar brevemente o processo de produção do curta? R: Bom, esse curta foi concebido para cumprir um requisito da Faculdade de Cinema da Universidade Federal de Santa Catarina - do qual sou formando. Toda a turma da matéria de Produção I - Direção de Produção, lecionada pela Professora Marta Machado, esteve envolvida desde o primeiro dia de aula. Todos os 15 alunos levaram um roteiro e votamos pelo que nos daria maior carga de aprendizado com a produção do mesmo. Como eles escolheram o que eu levei, assumi a Direção do curta - o que foi tranquilo, pois já dirigi outros curtas com algumas pessoas da equipe. Bom, daí pra frente começamos o trabalho de concepção dos personagens, locações, levantamos verba do zero e sem nenhum incentivo ou apoio. O curta é totalmente independente. Fato importante que eu gostaria de ressaltar: a Marta, além de nossa professora, é Produtora e Produtora Executiva de alguns nomes do cinema nacional, como: "Até que a Sbórnia nos Separe" e "Wood & Stock: Sexo, Orégano e Rock and Roll". E como é o processo de pós-produção? É um processo longo e trabalhoso? R: Eu acredito que a pós é mais trabalhosa do que a produção ou pré. Na pré a gente trabalha tendo ideias e conseguindo recursos pra filmar. Na fase de produção - ou filmagem - é só gerenciar pra que tudo saia como planejado, e não acabe tomando mais tempo e dinheiro do que fora discutido/captado antes, e por isso uma pré bem feita é importante. A pós é hora de pegar tudo isso e transformar num filme. Quando eu joguei todos os arquivos filmados no programa de edição, tínhamos mais de 5 horas de filmagens, pra transformar em um filme de 10 ou 12 minutos no máximo. Além disso, esse filme conta com efeitos visuais de computação gráfica, o que o torna um pouco mais trabalhoso. Não é todo mundo que entende que num filme são feitas várias tomadas do mesmo plano, e por isso o processo é demorado: depois de gravado, eu e a Editora temos que sentar juntos e assistir tudo o que fizemos, de novo, pra escolher as melhores tomadas, e ir montando, como num quebra cabeça, o filme. Além de fazer o tratamento, edição e mixagem de som, correção de cor, tratamento de imagem, efeitos visuais, trilha sonora, finalização, renderização, pra descobrir que alguns cortes não ficaram ideais, e daí corrigir esses erros, um a um... Parece pouca coisa, mas leva um tempão se a ideia é ter um filme bem finalizado, pra levar pra festivais internacionais - como é o nosso caso. Para a produção do curta vocês captaram recursos. Poderia falar brevemente como são os trâmites da lei do audiovisual? Considero muito importante para fomentar o cinema e cultura nacional. R: Esse assunto rende pano pra manga, mas vamos la. A captação de recursos do Dio Cane foi toda independente. Então não tivemos incentivo nenhum de nenhuma lei, o que é ruim. Eu gostaria de estar dentro das exigências da lei pra poder captar recursos e ter melhores condições pra equipe e elenco, além, é claro, de melhores soluções técnicas que fomos enfrentando ao longo das filmagens. As leis de incentivo à cultura são fundamentais para que seja produzido conteúdo de qualidade no Brasil, já que somos tão carentes de conteúdo de nível técnico e de conteúdo de qualidade. Ao incentivar a produção de filmes, teatro, músicas, artes no geral, a iniciativa pública e privada geram empregos, e eu não preciso entrar em detalhes de quão importante é pro Brasil que empregos sejam gerados - isso volta pra quem investe, seja em dinheiro mesmo, seja em um posicionamento favorável às artes, cultura, ao país, no geral. Muito se fala, mas pouco se entende como funcionam as leis, por que, infelizmente, a mídia brasileira faz um lobby para que a desinformação seja grande a ponto de colocar a população contra as leis. Por exemplo a Lei Rouanet, que tanto tem aparecido na mídia ultimamente: o que ela faz é autorizar uma empresa privada a pegar parte do dinheiro que iria para os impostos (ou seja, para o Governo), e investir essa grana num filme, peça de teatro, produção musical, etc. Ou seja, não é o Governo que dá dinheiro pro artista, é uma empresa que deixa de contribuir com os impostos para investir em cultura. A grosso modo: é menos dinheiro que um político pode desviar, e mais dinheiro pra ser investido na cultura - que gera empregos e renda. Claro que existem muitas pessoas fazendo mal uso desse recurso, mas existem muito mais pessoas fazendo um ótimo uso - uma pena que os jornais não se interessam pelo que é bom, apenas pelo que é ruim. Além da Lei Rouanet, existem outros incentivos, como Fundo de Financiamento de Cultura - que também, é uma reserva monetária a partir de impostos que o governo separa com fins específicos para ser investido na cultura. Para se ter uma ideia, menos de 0,5% do PIB nacional é voltado pra cultura. E ainda assim tem gente que critica o repasse de verba. Tem também os Editais Culturais, daí cada Estado ou Município tem suas diretrizes e legislações, mas todas obedecem à Ancine, que é o órgão regulamentador do Cinema, no caso de Edital específico pra Cinema. Ser contra as leis de incentivo num país tão carente de cultura como é o Brasil é um retrocesso tão grande que põe em cheque as conquistas sócio-econômicas no país. Qualquer pessoa que vai pra França, Inglaterra, Estados Unidos ou Austrália volta falando que o país é super cultural, valorizam a própria cultura, muitos museus, muitos cinemas, muitas opções de cultura e lazer, que dá uma qualidade de vida maior e melhor pro povo. Por que não fazer isso aqui no Brasil também? A soberania do povo deve ser proporcional à nossa capacidade de produzir bons produtos em todas as esferas - e não apenas culturais, falo de tecnologia, ciência, conhecimento, etc. Quanto mais se investe em nós mesmos, maiores e melhores seremos. Só temos a ganhar, se investirmos na nossa cultura, que é riquíssima e invejada em qualquer país do mundo. Nossa multiculturalidade, infelizmente, está alocada na arte marginal, por que a "elite" brasileira não aceita ou não entende que nós também produzimos arte de qualidade técnica e de conteúdo. O que é uma pena, já que essa "elite" que deveria ajudar a alavancar nossa cultura, fortalecendo nosso povo, unido-nos cada vez mais. Como as pessoas podem assistir Dio Cane? R: Num primeiro momento a equipe decidiu inscrevê-lo em festivais por todo o mundo, como Cannes, Veneza, Berlim, Sundance, etc… Apesar das chances serem baixas, por sermos uma equipe desconhecida, nova e amadora, acreditamos no valor do nosso trabalho, que foi muito. Além, é claro, dos muitos festivais nacionais, como Gramado, Brasília, FAM, Mostra de São Paulo e Rio de Janeiro, pra citar alguns. Alguns desses festivais exigem que não hajam exibições públicas, para manter o caráter de ineditismo, por isso vamos ter que segurar a exibição até terminarmos a temporada de festivais. Assim que estiver liberado, ele vai estar disponível para streaming de forma gratuita na internet, já que não temos intenção de lucrar com ele - como comentei, ele foi concebido como um trabalho de faculdade, mas que acabou ganhando uma proporção um pouco maior do que imaginávamos. O que é bom! Mas acho que só depois de 2017 vamos conseguir liberar ele. Agora algumas perguntas sobre você. Por que escolheu o cinema? Como surgiu a paixão pela sétima arte? R: Eu não me lembro ao certo quando eu pensei "Cinema". Eu acredito que isso esteve dentro de mim meio que desde sempre. Sempre fui muito apaixonado por arte, sempre gostei de escrever poemas e contos, desenhar, fotografar, sou músico, compositor e produtor musical. Um dia eu percebi que Cinema era uma junção de tudo o que eu gostava, e que podia unir tudo o que eu amava num lugar só. Primeiro eu fiz um curso de dois semestres na Escola Magia do Cinema, em Paulínia, quando o Pólo Cinematográfico fora concebido. Eu fiz parte da primeira turma da Escola. Lá tive mais contato com algumas áreas que eu não gostaria de seguir diretamente no set - apesar de gostar de tudo, eu reconheço que em certos departamentos talvez eu não seja o melhor funcionário. Por conta disso, dei uma afastada por um período de Cinema e me dediquei um tempo em Produção Musical. Tentei estudar Midialogia, na Unicamp, mas nunca passei do vestibular. Comecei Jornalismo na PUC, mas ainda assim não estava contente: eu queria Cinema. Em 2012 eu finalmente dei um passo largo e investi um dinheiro que eu tinha em alguns equipamentos de baixo custo, mas que já me possibilitava começar a filmar os ensaios da minha banda, shows, e ao mesmo tempo passei em Cinema na UFSC. Daí nem pensei duas vezes antes de me mudar pra Floripa. Quais são suas influências, seus diretores favoritos? Por quê? R: Essa pergunta é difícil. Eu tenho um fraco pelo Stanley Kubrick e pelo Pedro Almodóvar, igualmente. Espero um dia poder homenageá-los em um filme. Claro que já o faço, mas não como realmente homenagem, mais como inspiração. Eu gosto bastante do trabalho do Fernando Meirelles e do Afonso Poyart no Brasil, e por um tempo eu tive muito contato com a cinematografia brasileira - Anna Muylaerte, Walter Salles, Guel Arraes, Bruno Barreto, Heitor Dhalia, etc... Acredito que depois que o Kléber Mendonça Filho estreou com "O Som Ao Redor" (2012), eu acabei me aproximando muito de algumas nuances desse filme - e de outras características que percebi nos curtas dele, por isso eu considero-o o meu referencial principal na cinematografia brasileira. Quando escrevo e/ou dirijo um filme, gosto de ir em direrentes direções. Para o Dio Cane, por exemplo, pesquisei bastante coisa do David Fincher, Krzystoff Kieslowski, Kleber Mendonça Filho, Denis Villeneuve… Acho que eu posso escrever pra sempre sobre isso, por que nem comecei a falar do cinema Latino Americano, que me encanta, especialmente os cinemas Argentino e Uruguaio. Mas deixo essa pra outro dia. Qual seu filme favorito? R: Se eu tivesse que escolher um, e apenas um, provavelmente eu diria "The Wall" (1982), dirigido pelo Alan Parker, a partir do álbum homônimo do Pink Floyd. Qual filme, na sua opinião, é a maior obra-prima do cinema? Por quê? R: Acho que eu voto em "Beleza Americana" (1999, Sam Mendes). Eu poderia citar grandes clássicos da cinematografia mundial aqui, mas acho que durante muito tempo o cinema foi experimental, ainda que comercial. É uma das artes mais "novas" que temos, e ainda temos muito o que explorar. Mas acho que "Beleza Americana" consegue juntar o melhor de muitos elementos que deram super certo ao longo da história do cinema e sintetizar em um filme todo esse amadurecimento. Até hoje eu assisto ele regularmente pra encontrar novas nuances, e sempre me surpreendo. Eu não sei se um dia haverá um filme unânime, que seja 100% perfeito em todos os elementos, mas não custa tentar ser o autor dele, e também não custa assistir o máximo de filmes possível. De repente a maior obra-prima do cinema tá perdida em alguma sala de cinema, e foi assistido por umas 100 pessoas só... Considera algum filme superestimado? E qual filme considera subestimado? R: Muitos. Muitos filmes são absurdamente superestimados. Antes de citar um ou dois, vou deixar claro que eu não acredito que existam filmes "ruins", apenas filmes que não me convencem, graças ao meu repertório cinematográfico, cultural, artístico, etc. Eu reconheço que existe um segmento de filmes que não significam quase nada pra mim, mas que pra uma grande parcela da população eles são extremamente importantes. Eu tenho dificuldade com os filmes de super-heróis dessa onda Marvel/DC. Muito por defenderem valores estadunidenses que não cabem para o cidadão brasileiro. Eu reconheço que são filmes muito bem feitos, mas eu acho que o brasileiro deveria olhar mais pra dentro do próprio país, pra dentro da própria América Latina, e consumir a arte que é produzida por aqui. Somos ótimos e criativos, e estamos com uma ânsia de expressão que é muito mais valiosa para nós do que qualquer Superman, Batman ou Esquadrão Suicida. Por ser um pouquinho cinéfilo, eu assisto, mas muito mais pra eu saber "o que não fazer", do que pra buscar inspiração. Acho a repetição desses clichês e valores estadunidenses muito nocivos pra nossa cultura, e tratar essa cinematografia como a perfeição em forma de filme aumenta ainda mais o abismo cultural que existe no Brasil. Se você pudesse escolher os profissionais que quisesse, tanto brasileiros quanto estrangeiros, com quais pessoas você gostaria de trabalhar num filme? R: Complicado essa pergunta. No Dio Cane eu tive uma experiência ótima com a equipe. Surpreendentemente nós entramos numa sintonia muito positiva, que contribuiu positivamente para o filme. Eu adoraria poder sentar e bater um papo sobre cinema com alguns dos meus "mestres" particulares, pra saber o que eles pensam sobre cinema, como eles veem o cenário e tal, mas trabalhar mesmo, acho que eu sou uma pessoa muito aberta. Meu maior aprendizado até agora é que todo mundo que trabalha com cinema é bom se essas pessoas estiverem numa função que elas amam. É importante conversar, ouvir e entender quais são os anseios de cada um, antes de entrar na produção. Então, acho que eu trabalharia com qualquer um que quisesse trabalhar comigo. Quais são seus gêneros de filme favoritos? Você dirigiria qualquer gênero de filme ou tem uma linha que gostaria de seguir? R: Eu gosto muito de intriga. Gosto de filmes que provoquem e que me façam perceber traços de mim que as vezes eu não percebo, e isso pode estar em qualquer gênero. Da comédia à tragédia. Gosto da discussão. É comum eu gostar de filmes que eu odeio numa primeira "assistida", por que eles exibem, pra mim mesmo, um defeito que eu devo trabalhar em mim, para me tornar uma pessoa melhor pro mundo. Quando eu escrevo um roteiro, eu não me prendo em um gênero, não fico pensando "isso é um thriller" ou "isso é uma comédia romântica". A história a ser contada depende muito mais da interpretação da pessoa que a recebe do que da intenção de quem conta. Claro que alguns signos eu prefiro evitar - como preconceitos, violência gratuita, etc. Sempre que conto uma história, tento me certificar de que todos os elementos estão lá por algum motivo além do estético ou cômico: se está no filme, então é importante prestar atenção nele, por que ele está querendo dizer algo. Na sua opinião, quais são as melhores obras do cinema nacional? R: Como comentei, não acredito em "melhor ou pior", mas tem os filmes que me cativam mais ou menos. Recentemente o cinema nacional deu um salto de qualidade maravilhoso, e eu tenho muito orgulho de poder ver um filme nacional, sendo reproduzido no nosso idioma, no nosso país, com referências que nos são palpáveis e cotidianas, pois eles representam uma parte importante de quem nós somos. Aqui vai uma listinha de 5 filmes nacionais que eu guardo no coração: "O Som ao Redor" - Kléber Mendonça Filho, 2012 "Que Horas Ela Volta?" - Anna Muylaerte, 2015 "Abril Despedaçado" - Walter Salles, 2001 "Cidade de Deus" - Fernando Meirelles, 2001 "Central do Brasil" - Walter Salles, 1998 BÔNUS "O Que é Isso, Companheiro" - Bruno Barreto, 1997 "Narradores de Javé" - Eliane Caffé, 2003
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